Por que não morrer? Qual o medo de uma passagem pelo incerto, pelo
não-contado e pela novidade? Se uma coisa é certa no mundo é que os seres
humanos têm medo. E muito medo. E o medo move montanhas, move pessoas e domina
multidões. Bem disse um pequeno cidadão francês, também conhecido como O Grande
Baixinho (para provar que definitivamente tamanho não é documento): “duas
alavancas movem o homem: o interesse e o medo”. A história se fez...
e não ouso discordar de Bonaparte!
Pensando no interesse fica fácil entender: todos, sem exceção,
agimos por interesses! É isso mesmo, sejam esses interesses bons ou ruins,
mas sempre interesses e quem não quiser comer morre de fome. E muitos morrem. A
não ser em condições contra a nossa vontade, quando nos privam de exercer nosso
interesse, mas aí é outra coisa e não quero discutir as limitações dos
interesses no mundo moderno, o que pode ser redesenhado como briga ou conflito
de interesses. Mas esta tecla já está por demais batida e diversos pensadores
vão falar e reafirmar a questão dos interesses dos indivíduos com todas as
crases e academicismos, um criticando o outro, um superando o outro, um sendo
mais niilista, mais revolucionário, mais estruturalista, mais pós-moderno, mais
anticristo e por fim, mais chato que o outro. Mas a constatação continua a
mesma e o meu interesse neste texto também.
Agora o medo não. Porque medo e interesse parecem não fazer uma relação tão
aparente. Se você tem medo você não vai fazer que nem Napoleão. E é aí que
está! Bonaparte, Hitler, Stalin, Fidel farão por você! Qual é o seu medo? Pois
é o seu interesse em minar seu medo que alavanca o mundo.
Volto a perguntar, qual é seu medo? Temos medo do que? Medo de ficarmos
sozinhos, medo não sermos aceitos? Queremos todos, queremos atenção, queremos
olhares, queremos um terreno seguro, queremos conforto, queremos cadeira,
queremos o mundo ao nosso redor. Interesses.
E medo. Medo de não termos
os nossos interesses.
E assim,
pelo medo e pelo interesse, fomos construindo esta linda história e este belo
mundo caótico. Correria, tecnologia e extensão da vida das mais diversas
formas. Todos movidos por interesse e todos movidos por medo. Medo de morrer, medo de perder. Queremos
mais vida, nem que seja a base de um fio eletrônico. Queremos viver mais anos,
mesmo que eles sejam artificiais e inúteis. Queremos mais.
Em contra-partida vamos perdendo “bom dia!” e perdemos convívio
para protegermos os nossos. Não queremos vida para um país distante.
Queremos vida para nós e para quem nos rodeia, e isto basta.
O paradoxo dos dias atuais é a expressão “banalização da morte”.
Eu inverteria para “paranoia da morte”. O indivíduo não quer a morte, e isto
não significa que não quer a morte do mundo todo, mas evita a todo custo a
morte dos seus. Aí voltamos na questão do interesse. A morte e a vida também
são questões de interesse. Tudo isso porque? Medo.
E junto ao interesse e ao medo, sabemos que somos egoístas. Queremos nossas coisas ao nosso redor. Não desapegamos fácil delas, ainda mais quando “nossas coisas” também são pessoas. Não importa se elas podem ir para um lugar melhor ou não. Queremos elas por perto porque não estaremos lá e porque tudo o que é novo arrepia. Desafiamos mas sempre com uma perna no lugar. Não voamos ao novo e ao incerto, pelo menos não em nossa maioria de humanos, e talvez por isso que somos animais de pés no chão e não com asas.
Por isso desconfio de tudo! Desconfio da mais bela história de bondade que envolvem nossas incansáveis buscas por viver mais, por passar dos cem, por não morrer. A morte não é pensada como um ciclo, como uma passagem natural do que chamamos de vida, porque a morte pressupõe fim. Evitamos o fim por nossa insegurança de o fim ser um começo ou pelo fim ser um fim mesmo, mas de qualquer maneira, evitamos a morte até de quem deseja ela.
Por isso, esse discurso já deu. Matamos mas tememos a morte, e se matamos é porque se pressupõe que a morte seja algo ruim. Conseguimos naturalizar e entender tudo no mundo, as desigualdades, o extermínio da natureza, de animais e do que quer que seja, mas o medo da morte e a busca por vida parece ser um consenso da humanidade. A lei protege a vida, porque pressupões que todos querem viver. E podem querer. Mas a resistência a morte, a busca diária e infinita por novas tecnologias de manutenção de vida, que aos poucos vão sendo mercantilizadas, vem mais do que querer a vida e qualidade de vida (o que é qualidade de vida?) e sim pelo medo da morte.
Não sejamos mesquinhos. Somos egoístas demais para querer morrer
ou para se deixar morrer. Matamos para não morrer. O que é mais digno? Vivemos
no perigo eminente da morte, como um
espectro que ronda a sociedade. Se o medo que move o mundo, o medo da morte
faz com que queiramos viver. Somos fracos, egoístas e possessivos e queremos
tudo que nos beneficia e principalmente aquilo que temos a certeza que não
teremos para sempre, a vida.
Pode ser a nossa, pode se a dos outros: queremos, juntamos, arrecadamos para
nós. Utilizamos da vida dos outros enquanto elas forem úteis para garantir as
nossas, depois descartamos.
E descartamos principalmente se ela ameaça nosso medo da morte.
Hoje não há dúvidas, a morte vigia os indivíduos onde quer que
eles estejam. Nossa maior forma de controle da vida, de nossas vidas e da vida
dos outros é a eminência da morte. A morte é como o poder, está disseminado
pela sociedade e não precisa se concentrar em nenhum lugar ou aparelho. Ela
atravessa o mundo inteiro e invade desde os locais públicos até os mais
privados, está em todos os ambientes, em sua casa, na rua, com sua família, em
seu trabalho, nos mais ricos e nos mais pobres. Ela não precisa de convite, perpassa
tudo e atravessa todos. A morte é uma eminência. E esta eminência ou o medo
desta eminência é que nos movimenta. Assim sendo, re-colocaria a frase de meu
célebre amigo baixinho: Uma alavanca move o mundo: a morte.