sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Breve ensaio sobre a noção de morte


Por que não morrer? Qual o medo de uma passagem pelo incerto, pelo não-contado e pela novidade? Se uma coisa é certa no mundo é que os seres humanos têm medo. E muito medo. E o medo move montanhas, move pessoas e domina multidões. Bem disse um pequeno cidadão francês, também conhecido como O Grande Baixinho (para provar que definitivamente tamanho não é documento): “duas alavancas movem o homem: o interesse e o medo”.  A história se fez... e não ouso discordar de Bonaparte!  

Pensando no interesse fica fácil entender: todos, sem exceção, agimos por interesses! É isso mesmo, sejam esses interesses bons ou ruins, mas sempre interesses e quem não quiser comer morre de fome. E muitos morrem. A não ser em condições contra a nossa vontade, quando nos privam de exercer nosso interesse, mas aí é outra coisa e não quero discutir as limitações dos interesses no mundo moderno, o que pode ser redesenhado como briga ou conflito de interesses. Mas esta tecla já está por demais batida e diversos pensadores vão falar e reafirmar a questão dos interesses dos indivíduos com todas as crases e academicismos, um criticando o outro, um superando o outro, um sendo mais niilista, mais revolucionário, mais estruturalista, mais pós-moderno, mais anticristo e por fim, mais chato que o outro. Mas a constatação continua a mesma e o meu interesse neste texto também.

Agora o medo não. Porque medo e interesse parecem não fazer uma relação tão aparente. Se você tem medo você não vai fazer que nem Napoleão. E é aí que está! Bonaparte, Hitler, Stalin, Fidel farão por você! Qual é o seu medo? Pois é o seu interesse em minar seu medo que alavanca o mundo. Volto a perguntar, qual é seu medo? Temos medo do que? Medo de ficarmos sozinhos, medo não sermos aceitos? Queremos todos, queremos atenção, queremos olhares, queremos um terreno seguro, queremos conforto, queremos cadeira, queremos o mundo ao nosso redor. Interesses. E medo. Medo de não termos os nossos interesses.
E assim, pelo medo e pelo interesse, fomos construindo esta linda história e este belo mundo caótico. Correria, tecnologia e extensão da vida das mais diversas formas. Todos movidos por interesse e todos movidos por medo. Medo de morrer, medo de perder.  Queremos mais vida, nem que seja a base de um fio eletrônico. Queremos viver mais anos, mesmo que eles sejam artificiais e inúteis. Queremos mais

O medo da morte faz com que desenvolvamos tecnologias de ponta para uma vida mais útil, faz com que sejamos paranóicos do perigo eminente (da morte). Cuidado! Verifique se o elevador se encontra parado! Não brinque com o fogo e tome remédios! Temos soluções, temos aspirinas, temos vacinas, temos band-daid, temos cirurgias, temos recorta e cola de pedaços de órgãos, de pele, temos transfusão, temos medo, medo da morte. E temos uma guerra de quem vive mais.
Em contra-partida vamos perdendo “bom dia!” e perdemos convívio para protegermos os nossos.  Não queremos vida para um país distante. Queremos vida para nós e para quem nos rodeia, e isto basta. 

O paradoxo dos dias atuais é a expressão “banalização da morte”. Eu inverteria para “paranoia da morte”. O indivíduo não quer a morte, e isto não significa que não quer a morte do mundo todo, mas evita a todo custo a morte dos seus. Aí voltamos na questão do interesse. A morte e a vida também são questões de interesse. Tudo isso porque? Medo.


Medo do incerto, medo do novo, medo de mexer as peças do lugar. Ninguém conhece o portal, ninguém voltou para dizer se é bom, se é ruim ou se continua tudo igual. Pode até ter voltado e ter contado para uns ou outros, mas cada um que ficou sabendo contou uma história diferente que não convenceu o mundo todo, como é o caso do interesse próprio e do medo, que todos sentimos de maneira igual. Aí virou briga, virou história, virou conflito de histórias e de "verdades" para sabermos sobre o mundo de lá. Mas a verdade verdadeira ninguém carrega a certeza no peito e o medo da morte amedronta todo mundo. 

E junto ao interesse e ao medo, sabemos que somos egoístas. Queremos nossas coisas ao nosso redor. Não desapegamos fácil delas, ainda mais quando “nossas coisas” também são pessoas. Não importa se elas podem ir para um lugar melhor ou não. Queremos elas por perto porque não estaremos lá e porque tudo o que é novo arrepia. Desafiamos mas sempre com uma perna no lugar. Não voamos ao novo e ao incerto, pelo menos não em nossa maioria de humanos, e talvez por isso que somos animais de pés no chão e não com asas.

Por isso desconfio de tudo! Desconfio da mais bela história de bondade que envolvem nossas incansáveis buscas por viver mais, por passar dos cem, por não morrer. A morte não é pensada como um ciclo, como uma passagem natural do que chamamos de vida, porque a morte pressupõe fim. Evitamos o fim por nossa insegurança de o fim ser um começo ou pelo fim ser um fim mesmo, mas de qualquer maneira, evitamos a morte até de quem deseja ela. 


Por isso, esse discurso já deu. Matamos mas tememos a morte, e se matamos é porque se pressupõe que a morte seja algo ruim. Conseguimos naturalizar e entender tudo no mundo, as desigualdades, o extermínio da natureza, de animais e do que quer que seja, mas o medo da morte e a busca por vida parece ser um consenso da humanidade. A lei protege a vida, porque pressupões que todos querem viver. E podem querer. Mas a resistência a morte, a busca diária e infinita por novas tecnologias de manutenção de vida, que aos poucos vão sendo mercantilizadas, vem mais do que querer a vida e qualidade de vida (o que é qualidade de vida?) e sim pelo medo da morte.


Não sejamos mesquinhos. Somos egoístas demais para querer morrer ou para se deixar morrer. Matamos para não morrer. O que é mais digno? Vivemos no perigo eminente da morte, como um espectro que ronda a sociedade. Se o medo que move o mundo, o medo da morte faz com que queiramos viver. Somos fracos, egoístas e possessivos e queremos tudo que nos beneficia e principalmente aquilo que temos a certeza que não teremos para sempre, a vida. Pode ser a nossa, pode se a dos outros: queremos, juntamos, arrecadamos para nós. Utilizamos da vida dos outros enquanto elas forem úteis para garantir as nossas, depois descartamos. E descartamos principalmente se ela ameaça nosso medo da morte.

Hoje não há dúvidas, a morte vigia os indivíduos onde quer que eles estejam. Nossa maior forma de controle da vida, de nossas vidas e da vida dos outros é a eminência da morte. A morte é como o poder, está disseminado pela sociedade e não precisa se concentrar em nenhum lugar ou aparelho. Ela atravessa o mundo inteiro e invade desde os locais públicos até os mais privados, está em todos os ambientes, em sua casa, na rua, com sua família, em seu trabalho, nos mais ricos e nos mais pobres. Ela não precisa de convite, perpassa tudo e atravessa todos. A morte é uma eminência. E esta eminência ou o medo desta eminência é que nos movimenta. Assim sendo, re-colocaria a frase de meu célebre amigo baixinho: Uma alavanca move o mundo: a morte.

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