sexta-feira, 21 de junho de 2013

As contradições dos protestos no Brasil



Engraçado, mobilizador e assustador. São essas minhas primeiras impressões sobre a repercussão que o Movimento Passe Livre tomou na mídia brasileira, mundial, nos lares, e principalmente, nas ruas. O movimento, que começou com uma reivindicação específica, assumiu proporções gigantescas: das mais libertárias as mais conservadoras.

Começo com engraçado... porque o movimento contra o aumento da passagem do ônibus se iniciou há semanas e o número de críticas, como sempre ocorreu no Brasil, contrárias à mobilização dos Movimentos Sociais, eram gigantescas e como sempre associando os manifestantes a termos como “baderna”, “depredação” e “vandalismo”. Marchar nos últimos anos era coisa “de quem não tinha o que fazer”, coisa de “arruaceiro”. Quem  participou de qualquer mobilização nos últimos anos sabe o peso negativo que a mídia, e a própria população, sempre atribuiu aos ativistas e ainda o baixo número de aderência a causas legítimas.

Movimento Passe Livre

Engraçado, pois os mesmos que criticaram até quarta-feira, dia 12,  mudaram o discurso, como o próprio Arnaldo Jabor, que depois de mais uma das tantas asneiras pronunciadas em que chamou o Movimento de “provocação inútil”, passou a revisar seus conceitos. E por que isso ocorreu? O fato é que depois da manifestação de terça-feira,  em que houve pretexto para os críticos abusarem dos termos pejorativos, por atos isolados de manifestantes, o estado respondeu com a repressão...
Confronto entre a polícia e os jornalistas
E a repressão chegou mais violenta na quinta-feira quando manifestantes, jornalistas e pessoas que circulavam pela região foram todos atingidos pela truculência e violência da polícia ao som de 15 mil manifestantes gritando “Sem Violência”.  Não teve mais como a mídia segurar as informações, visto que, os vídeos gravados por diversos cidadãos já circulavam em todo país pelas redes sociais (inclusive vídeos da polícia depredando a própria viatura como pretexto para agirem de maneira repressiva). Assim, na sexta-feira a grande mídia já mudava de opinião quando o tiro, antes destinado apenas a periferia, atingiu seus jornalistas. A classe média foi finalmente atingida e aí a história mudou. 

Nesta mudança, tanto dos rumos da mídia, que passou a legitimar o protesto em São Paulo após a mira das armas, cujo destino tinha classe e cor definidas, atingiu si próprios, os rumos do próprio movimento também ganharam outras proporções. A partir daí a repercussão do protesto de São Paulo contra o aumento das tarifas do transportes levou a uma mobilização histórica: o número de manifestantes triplicou em pouco espaço de tempo, e a população de diversas cidades no Brasil inteiro saíram para as ruas. Na última segunda-feira, 500 mil pessoas saíram as ruas nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Pará, Bahia, Distrito Federal e é claro, São Paulo.

E é ai que chego no assustador. A manifestação que teve início em São Paulo, por uma pauta bem definida - Contra o Aumento das Tarifas do Ônibus – passou a assumir diversas faces. E o perigo não são as diferentes bandeiras, mas a descaracterização do movimento que surgiu e que tem um objetivo claro a ser estabelecido: redução das tarifas do transporte público, e uma meta: a implementação do passe livre no Brasil. 
De fato não há problema em diversas bandeiras saírem para as ruas e apoiarem os protestos, isso sempre ocorreu. Quando um Movimento Feminista organiza um ato, por exemplo, é comum que outros movimentos sociais e até partidos saiam as ruas para apoiar a causa, apoiar. O que ocorreu a partir de segunda-feira no Brasil é que a causa em si das marchas assumiram novos rumos e, consequentemente, novos e controversos objetivos.

A direita brasileira também foi as ruas
Aí vimos de tudo: manifestantes contra o Ato Médico, contra a Pec-37, a favor da legalização da maconha, ou alguns mais genéricos como a favor da educação, contra a corrupção (ato que nunca entendi muito bem qual a demanda e objetivos... sair as ruas contra a corrupção é como sair as ruas contra a maldade...enfim), contra a Copa do Mundo no Brasil, contra a presidenta Dilma, e por aí vai.
A direção e os objetivos dos protestos assumiram diversas bandeiras, inclusive (ou principalmente) as mais conservadoras. Em alguns momentos dos protestos, ou em alguns setores, parecíamos deslocados do tempo, já que as bandeiras se assemelhavam à Marcha da Família com Deus pela Liberdade (e propriedade privada).
Em uma mobilização que começou com pautas de reivindicação populares ergueram-se cartazes contrários ao programa Bolsa Família. Contradição? A dimensão que as manifestações chegaram no Brasil levantaram as causas mais elitistas e o perigo é onde isso vai parar. Protestar é um meio e não um fim em si, sem demanda não há resposta e protestar contra tudo é o mesmo que protestar contra nada. 

Slogans como “o Brasil acordou” passaram a emergir. Como se apenas agora, que a classe média saiu para as ruas e as descobriu enquanto espaço de circulação pública e fora de seus carros, o Brasil acordou. Protestos, mobilizações e passeatas sempre ocorreram no Brasil, mas nunca levaram à comoção do Estado, da mídia e da população. Os movimentos indígenas, sem terra, sem teto, até mesmo o passe livre, dentre outros, sempre estiveram nas ruas e sempre foram criminalizados e perseguidos. As denúncias das mortes por atropelamento são recorrentes e o genocídio indígena continua latente. No último mês o indígena terena Oziel Gabriel foi assassinado pela polícia militar após o confronto pela tentativa de despejo de uma terra indígena demarcada desde 2011, e outros casos similares ocorreram mas foram pouco noticiados, como o indígena “atingido por tiros” em Paranhos-MS. 

Relações de poder e privilégio continuam bem demarcadas
O Brasil não acordou porque nunca esteve dormindo, e as relações de privilégio e de poder ainda continuam bem demarcadas. Não é novidade no Brasil que o menino branco de classe média que praticou vandalismo no protesto teve seu pedido de prisão liberado em troca de fiança, enquanto que o menino preto, da periferia, será o primeiro a ser preso. A pobreza no Brasil ainda tem cor e a violência ainda é marcada por relações de gênero. 

Na volta para a casa, a população retorna para seus lares, privilégios e hierarquias, que continuam muito bem estabelecidos e em seu devido lugar, afinal, certamente para grande parte da multidão que caminhava nas ruas, não era disso que se tratava.

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