Nas últimas semanas uma série de polêmicas surgiram nas redes sociais e trouxeram a tona algumas questões importantes para discussão do racismo no Brasil: o veto da FIFA aos atores Lázaro Ramos e Camila Pitanga, cotados inicialmente para apresentar o sorteio dos jogos da Copa do Mundo 2014, e a escolha de Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert. As discussões levaram ao questionamento do racismo no Brasil, da neutralidade da mídia, a problematização da sub representação do negro nos meios midiáticos e naturalização do branco como norma da humanidade.
Poxa, sejamos sinceros,
ser o casal do sorteio da FIFA não é lá tão digno assim. Pelo menos não para o
que a Copa do Mundo está acarretando no Brasil e o que significa a instituição
FIFA no futebol. Na verdade até acho que a escolha do casal gourmet Fernanda
Lima e Rodrigo Hilbert é muito mais a cara da Copa, ainda mais se pensarmos nas consequências sociais dela. Mas a questão colocada não é essa. Diariamente vivenciamos práticas racistas,
mas mesmo assim o Brasil dorme tranqüilo todas as noites já que preconceito
racial é coisa do passado, daquela época não tão distante em que havia escravidão. Afinal, até a
Globo já teve uma protagonista negra, e coincidentemente a novela levou o nome “Da
cor do pecado”, que também “por acaso” dentro o vasto leque de opções, a
mesma atriz, Taís Araújo, interpretou a segunda e última novela, cuja protagonista
era negra.
E é por isso que o caso
da escolha do casal da Fifa passa a se tornar emblemático: é necessário agarrar
a tais fatos que ganham destaque na mídia (afinal, envolvia a FIFA, a Copa do
Mundo e atores globais) para tocar o dedo na ferida do racismo institucional de
nossa sociedade. Essa é a deixa para discutir e problematizar o que ninguém no
Brasil - construído como harmônico, misturado, alegre - quer: evidenciar que o
Brasil é racista e que, portanto, todos praticamos o racismo.
Certamente teria muitos outros
casos para elencar, mortes para escancarar, Amarildos torturados, Douglas
mortos sem motivos, ofensas e preconceitos pichados nos muros das universidades
públicas contra alunos africanos e negros, mas que certamente não duraria uma
semana de debate na mídia. E é aí que este caso, aparentemente fútil e sem
importância, ganha uma nova proporção na discussão. Afinal, se o racismo não
fosse tão violento e vivo talvez essa notícia de fato não faria diferença e a resposta da Fernanda Lima “só porque sou branquinha?” poderia até fazer
sentido. Mas na realidade que estamos hoje não podemos simplesmente separar os
fatos e achar que uma coisa não influencia na outra e que não somos
responsáveis por isso.
Tal problematização não significa personificar a discussão, a Fernanda Lima não se tornou a vilã racista, muito
embora tenha se mostrado um tanto quanto ignorante logo após a polêmica ter
eclodido ter iniciado seu programa cantando a música “cada macaco no seu galho”,
enfim, cada um que interprete como quiser, mas não sejamos ingênuos. A questão
é levantar um ponto bem claro sobre as relações raciais no Brasil e que nós
brancos, me assumo neste barco, saibamos reconhecer nossos privilégios. E a
meritocracia, neste sentido, é o maior argumento utilizado para deslegitimar qualquer
tentativa de democratização, seja social, racial, de gênero ou sexualidade.
Mais uma vez: sim, o
casal escolhido já havia realizado trabalhos para a FIFA o que pode sim
justificar a escolha deles e não de outros. Mas dentro de um racismo
institucional é de se admitir que as oportunidades que uma pessoa branca,
oriunda de família rica, dentro dos padrões de beleza exigido pela mídia são
muito maiores que de uma pessoa negra, e neste caso, seja ela de classe média
alta ou não. Reconhecer privilégios não é choramingar “ah, só porque eu
sou branquinha?” e sim admitir seu mérito na questão mas não achar que ele
sozinho explica o mundo dentro de um sistema injusto e desigual . Você pode
assumir seu mérito, mas sem descartar que o racismo institucional e a
desigualdade social a que estamos inseridos faz com que você, branquinha, tenha
mais oportunidades, mais portas abertas, mais mãos estendidas do que uma mulher
negra. E pode dormir com o travesseiro mais pesado por que sim, você se beneficia da lógica e sistema racista.
Por isso, pode ser um caso
aparentemente esdrúxulo – escolha do casal FIFA - e a platéia da direita deve vir com aquele
papo sem sentido de “politicamente correto”. Mas não basta escolher uma única
lente para ver o mundo, e em especial o Brasil. A luta pelo racismo é diária, e
evidenciar práticas racistas, questionar a meritocracia e escancarar
desigualdades estruturais fazem parte da tentativa de mudança da leitura que
fazemos de nossa sociedade. A escolha do casal FIFA permite refletir sobre a
invisibilidade e estereotipia dos negros nos meios midiáticos e a naturalização
do branco como correto, norma e padrão. Só se combate o racismo quando
admitimos sua existência. E é por isso que casos como esses não devem ser descartados,
eles ajudam a problematizar o que o nosso Brasil – construído como alegre e
harmonioso – não quer admitir.
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