segunda-feira, 15 de abril de 2013

Da série Classe Média Sofre: os tomates e o quase fim do mundo



O Brasil acompanhou no último ano o aumento do preço do tomate e de demais alimentos básicos, mas foi o tomate que ganhou destaque pelo expressivo aumento que chegou a 150% do valor antes comercializado no país no período de um ano e cerca de 25% no último mês.

O motivo do alto número de protestos (em especial nas redes sociais) que surgiu a partir do aumento do preço do tomate é compreensível, já que trata-se de alimento bastante utilizado na culinária brasileira. No entanto, esta avalanche de críticas em relação a alta do tomate e a repercussão deste “problema” na mídia, assumiu um exagero, ao meu ver, muito mais alto que o próprio preço do produto.

Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros - Cansei! 
Os constantes protestos em relação ao aumento do preço do tomate me soou familiar ao movimento político intitulado “Cansei” ou “Movimento Cívico pelo Direito dos brasileiros”, que surgiu em 2007 em oposição e crítica ao  governo Lula, cujo os expoentes do movimento eram personalidades como Regina Duarte, Paulinho Vilhena, Silvia Popovic, Luana Piovani, dentre outros famosos, e participavam também, associações como a Ordem dos Advogados de São Paulo. (Qualquer semelhança ao Classe Média Sofre é mera coincidência).

Agora traduzido em outras palavras: “Cansei! Não dá para viver em um país com o preço do tomate tão abusivo! Que país é este?”. O estrondo em relação ao valor do tomate soou como se o aumento do preço deste produto estivesse causando um colapso na economia brasileira. E bastou algumas semanas de um simples boicote ao alimento (que da noite para o dia se tornou produto indispensável na refeição dos brasileiros), para que os tomates apodrecessem nas vendas e supermercados. E assim foi anunciada na última semana a queda do preço do tomate em torno de 43%.
Cansei! Ana Maria Braga protesta com colar de tomates em uma analogia a "joia".

Enquanto o tomate se torna o vilão nacional pelo “quase” fim do mundo causado pelo aumento de seu preço, os noticiários simplesmente nem se lembram que a seca do nordeste é a pior nos últimos 50 anos. O racionamento de água por tempo indeterminado no Ceará não causou revolta na mídia. Qual a repercussão quando o batalhão de choque invadiu o Museu do Índio no Rio de Janeiro, no Maracanã, ocupado desde 2006 por um grupo de indígenas, para a retirada destes com bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta? Inclusive, quem vai se lembrar, perante a alta do preço do tomate, que o acusado de matar o casal de extrativistas do Pará, José Cláudio e Maria, quando estes denunciavam casos de extração ilegal de madeira e grilagem de terras de assentamentos, foi absolvido?
Batalhão de Choque invade a aldeia Maracanã

Além disso, cabe lembrar e problematizar de que forma é realizada a política agrícola no Brasil e suas contradições. A maior parte dos alimentos consumidos no Brasil pelas famílias e restaurantes é proveniente da produção da agricultura familiar, no entanto o repasse de verbas, incentivos e créditos ocorre de maneira desigual entre a agricultura familiar, a agropecuária e o agronegócio, sendo que os dois últimos abarcam 86% de todo crédito do setor agrícola nacional[1]. Portanto, se formos atribuir um vilão nesta história seria a expansão do agronegócio e da produção da soja, o crescimento da monocultura e dos latifúndios e a redução das áreas agricultáveis no país.

Sempre irônica, a mídia elege um alvo público que a população logo abraça como forma de mostrar seu não contentamento, para se colocar enquanto crítica e mostrar que se revolta e se indigna com as desigualdades sociais. Mas tudo isso enquanto tal crítica e revolta tem como alvo de combate um vilão como o tomate, que não incomoda ninguém. Por isso o tomate caiu como luvas nas mãos da classe média, "afinal um macarrão feito de tomates legítimos é muito melhor do que de molho comprado. Como viver em um mundo com molho de tomate pronto e não natural? Um absurdo!"

A indignação pelo alto do preço do tomate, embora tenha todo sentido, chega com um discurso supérfluo, sem problematizar a própria política agrícola realizada no país e soa como hipócrita diante diversos acontecimentos no mês que são minimizados e deixados em segundo plano pela mídia. Não foi apenas o tomate que aumentou os preços, mas ele se tornou um símbolo central, uma celebridade do momento e agora, com a queda do preço do tomate, quem anda com os preços lá em cima é a cebola. Será que haverá nova mobilização virtual e quem sabe um “twitaço” em prol das cebolas?


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