O Brasil acompanhou no último ano o aumento do
preço do tomate e de demais alimentos básicos, mas foi o tomate que ganhou destaque
pelo expressivo aumento que chegou a 150% do valor antes comercializado no país
no período de um ano e cerca de 25% no último mês.
O motivo do alto número de protestos (em especial
nas redes sociais) que surgiu a partir do aumento do preço do tomate é
compreensível, já que trata-se de alimento bastante utilizado na culinária
brasileira. No entanto, esta avalanche de críticas em relação a alta do tomate
e a repercussão deste “problema” na mídia, assumiu um exagero, ao meu ver,
muito mais alto que o próprio preço do produto.
Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros - Cansei! |
Os constantes protestos em relação ao aumento
do preço do tomate me soou familiar ao movimento político intitulado “Cansei”
ou “Movimento Cívico pelo Direito dos brasileiros”, que surgiu em 2007 em
oposição e crítica ao governo Lula, cujo
os expoentes do movimento eram personalidades como Regina Duarte, Paulinho
Vilhena, Silvia Popovic, Luana Piovani, dentre outros famosos, e participavam
também, associações como a Ordem dos Advogados de São Paulo. (Qualquer
semelhança ao Classe Média Sofre é mera coincidência).
Agora traduzido em outras palavras: “Cansei!
Não dá para viver em um país com o preço do tomate tão abusivo! Que país é este?”. O estrondo em
relação ao valor do tomate soou como se o aumento do preço deste produto
estivesse causando um colapso na economia brasileira. E bastou algumas semanas
de um simples boicote ao alimento (que da noite para o dia se tornou produto
indispensável na refeição dos brasileiros), para que os tomates apodrecessem
nas vendas e supermercados. E assim foi anunciada na última semana a queda do
preço do tomate em torno de 43%.
Cansei! Ana Maria Braga protesta com colar de tomates em uma analogia a "joia". |
Enquanto o tomate se torna o vilão nacional pelo
“quase” fim do mundo causado pelo aumento de seu preço, os noticiários simplesmente
nem se lembram que a seca do nordeste é a pior nos últimos 50 anos. O
racionamento de água por tempo indeterminado no Ceará não causou revolta na
mídia. Qual a repercussão quando o batalhão de choque invadiu o Museu do Índio
no Rio de Janeiro, no Maracanã, ocupado desde 2006 por um grupo de indígenas, para a retirada destes com bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta?
Inclusive, quem vai se lembrar, perante a alta do preço do tomate, que o
acusado de matar o casal de extrativistas do Pará, José Cláudio e Maria, quando
estes denunciavam casos de extração ilegal de madeira e grilagem de terras de
assentamentos, foi absolvido?
Batalhão de Choque invade a aldeia Maracanã |
Além disso, cabe lembrar e problematizar de que
forma é realizada a política agrícola no Brasil e suas contradições. A maior
parte dos alimentos consumidos no Brasil pelas famílias e restaurantes é
proveniente da produção da agricultura familiar, no entanto o repasse de verbas,
incentivos e créditos ocorre de maneira desigual entre a agricultura familiar,
a agropecuária e o agronegócio, sendo que os dois últimos abarcam 86% de todo
crédito do setor agrícola nacional[1]. Portanto,
se formos atribuir um vilão nesta história seria a expansão do agronegócio e da
produção da soja, o crescimento da monocultura e dos latifúndios e a
redução das áreas agricultáveis no país.
Sempre irônica, a mídia elege um alvo público
que a população logo abraça como forma de mostrar seu não contentamento, para
se colocar enquanto crítica e mostrar que se revolta e se indigna
com as desigualdades sociais. Mas tudo isso enquanto tal crítica e revolta tem
como alvo de combate um vilão como o tomate, que não incomoda ninguém. Por
isso o tomate caiu como luvas nas mãos da classe média, "afinal um macarrão
feito de tomates legítimos é muito melhor do que de molho comprado. Como viver
em um mundo com molho de tomate pronto e não natural? Um absurdo!"
A indignação pelo alto do preço do tomate,
embora tenha todo sentido, chega com um discurso supérfluo, sem problematizar a
própria política agrícola realizada no país e soa como hipócrita diante diversos
acontecimentos no mês que são minimizados e deixados em segundo plano pela
mídia. Não foi apenas o tomate que aumentou os preços, mas ele se tornou um
símbolo central, uma celebridade do momento e agora, com a queda do preço do
tomate, quem anda com os preços lá em cima é a cebola. Será que haverá nova
mobilização virtual e quem sabe um “twitaço” em prol das cebolas?
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